Adeus Amigo

24-12-2014 15:58

Poucos minutos antes de escrever estas palavras recebi um pedido de ajuda de alguém que necessitava de ir á casa de banho, essa mesma pessoa há cerca de meia dúzia de meses segurava nas suas mãos, agora trémulas e sem forças, o cabo de uma enxada, com a qual interagia com a terra, de onde para além do fruto do seu trabalho, recolhia também o prazer de uma ocupação de que nunca se cansava, com essa mesma terra que tanto amava, haveria de ter em breve um último reencontro.

Estas linhas que escrevo são a percepção vivida na primeira pessoa, de quanto frágil é a condição humana, e de quanto injustos são os desígnios que regem a curta passagem por este mundo, a que designamos como vida.

Não consigo obter o consolo divino em que muitos se refugiam, para aceitarem a razão de tanto sofrimento, nem sequer aceito que para partirmos seja necessário tanto padecermos, e muito menos se procure ancorar esse tormento numa razão irracional de um sofrimento redentor.

Não vou aqui fazer a apologia do marido extremoso nem do pai perfeito, isso são conceitos predefinidos, cuja aplicação tem como única razão o facto de não haver mais nada a dizer acerca de alguém, por desconhecimento ou simplesmente porque são palavras que assentam sempre bem.

Retrocedendo até às primeiras memórias que detenho enquanto pessoa pensante, é de alguém protetor, tolerante mas exigente, com imenso sentido de humor, bastante teimoso, no fundo um ser humano com todos os defeitos e virtudes que tal condição implica.

Olhando para trás, desfiamos 79 anos de uma vida plena de coisas boas, pontuada com algumas verdadeiramente más, e difíceis de ultrapassar, uma vida em que lançou as sementes e criou á sua volta uma família, deixando assim inúmeras raízes em que perdurará para sempre a sua memória.

Desde sempre que defendo que muito daquilo que somos, quando adultos é algo que foi “plantado” e “cuidado”, nas idades em que os pais são os nossos heróis, nessas idades as atitudes os comportamentos a forma como nos posicionamos, perante a vida e as suas adversidades, são os exemplos que os nossos filhos assimilam e no futuro ditarão a sua integridade como pessoa.

Esta é a obrigação principal de todos os pais, e se for cumprida inevitavelmente passará de geração em geração, posso afirmar que o meu pai, muito provavelmente sem ter esta consciência, cumpriu a sua parte e fez de mim o homem que sou, gostaria de chegar á sua idade e ter a convicção de que consegui fazer o mesmo pelas minhas filhas.

Ao pressentir que muito em breve deixarei de ter o privilégio de poder chamar pai a alguém, a mágoa que me fica é não ter tido a perceção atempada de quanto efémera é a vida, e não ter tido o discernimento de usufruir mais da sua presença.

 

Adeus amigo até sempre

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